Um dos videos ali disponíveis é o "Jill Bolte Taylor: My stroke of insight", o discurso de uma cientista cerebral que atravessa a experiência de uma hemorragia no hemisfério esquerdo, que faz com que a sua consciência não possa mais expressar-se através das funções lineares e lógicas associadas a esse hemisfério, passando a experienciar-se a si própria e ao mundo através do seu outro hemisfério... encotrando uma experiencia profunda de paz e unidade... que poderia ser explorada para potenciar a paz no mundo... Sabendo que "esta era uma ideia digna de ser partilhada", encontrou a motivação para a sua recuperação e voltou para contar-nos :)
Pensando em quem não domina o inglês, Bernardo Ramirez (http://www.bernardoramirez.com/constelacoes/derrame-de-consciencia/), traduziu o discurso de Jill Bolte Taylor. Grata pela sua iniciativa louvável, passo a citar:
Discurso: (Gravado em Fevereiro de 2008 em Monterey, Califórnia. Duração: 18 minutos e 44 segundos)
Cresci para estudar o cérebro porque tenho um irmão a quem foi diagnosticada uma desordem cerebral: esquizofrenia. E como irmã e cientista queria perceber porque é que posso tirar os meus sonhos, ligá-los à minha realidade, e posso torná-los realidade. — O que é que se passa com o cérebro do meu irmão e com a sua esquizofrenia que ele não consegue ligar os seus sonhos a uma realidade comum, e partilhada, e que por isso se tornam desilusões?
Por isso dediquei a minha carreira a pesquisar as doenças mentais profundas. E sai do meu estado natal de Indiana para Boston onde estava a trabalhar para o laboratório do Dr. Francine Benes, no Departamento de Psiquiatria de Harvard. E no laboratório estávamos a perguntar-nos: quais são as diferenças biológicas entre os cérebros dos indivíduos que seriam diagnosticados normais, para controlo, em comparação com os cérebros dos indivíduos com esquizofrenia, esquizoafectiva e desordem bipolar?
Estamos essencialmente a mapear os micro circuitos do cérebro, que células comunicam com que células, e com que químicos, e depois com que quantidades desses químicos. Por esta razão existia muito sentido na minha vida, estava a fazer este tipo de investigação durante o dia. Mas depois, durante as noites ou durante os fins de semana, eu viajava como uma promotora da NAMI, a Aliança Nacional para as Doenças Mentais dos Estados Unidos da América.
Mas na manhã de 10 de Dezembro de 1996 acordei para descobrir que tinha uma desordem mental só minha. Uma veia tinha explodido na minha metade esquerda do cérebro. E no decurso das quatro horas seguintes eu assisti como o meu cérebro foi se deteriorando e perdendo a capacidade para processar toda a informação. Na manhã da minha hemorragia eu não podia andar, falar, ler, escrever ou recordar nada sobre a minha vida. Basicamente tornei-me uma criança num corpo de mulher.
Se alguma vez viram um cérebro humano é óbvio que existem dois hemisférios que estão completamente separados um do outro.
E trouxe-vos um cérebro humano real. [Obrigado.] Ora bem, isto é um cérebro humano. Esta é a parte dianteira do cérebro, a parte de trás do cérebro com a coluna vertebral pendurada, e isto seria como ele se encontrava posicionado dentro da minha cabeça. E quando olham para um cérebro é óbvio que os dois córtexes cerebrais estão completamente separados um do outro. Para os que de entre vocês entendam de computadores, as funções do nosso hemisfério direito são como um processador paralelo. Enquanto que as funções do nosso hemisfério esquerdo funcionam como um processador em série. Os dois hemisférios comunicam entre si através do corpo caloso, que é feito de cerca de 300 milhões de projecções axónicas contralaterais. Mas para além disso, os dois hemisférios são completamente separados.
Porque processam informação de modo diferente, cada hemisfério pensa coisas diferentes, interessa-se por coisas diferentes, e atrevo-me a dizer, têm personalidades muito diferentes. [Desculpem-me. Obrigado. Foi um prazer.]
O nosso hemisfério direito é todo sobre o momento presente. É todo sobre o aqui e o agora. O nosso hemisfério direito pensa em imagens e aprende kinesteticamente (usando a kinestesia) através do movimento do nosso corpo. Informação, na forma de energia, verte sobre nós simultaneamente através de todos os nossos sistemas sensoriais. E depois explode nesta enorme colagem de como este momento parece ser. Como este momento cheira e sabe, como o sentimos e como soa. Sou um ser de energia ligado a toda a energia à minha volta, através da consciência do meu hemisfério direito. Somos seres de energia ligados uns aos outros através da consciência do nosso hemisfério direito como se fossemos uma única família humana. E aqui e agora, somos todos irmãos e irmãs neste planeta, e estamos aqui para fazer do mundo um lugar melhor. E neste momento somos perfeitos. Somos tudo. E somos maravilhosos.
O meu hemisfério esquerdo é um lugar bem diferente. O nosso hemisfério esquerdo pensa de forma linear e metódica. O nosso hemisfério esquerdo é completamente focado no passado, e completamente focado no futuro. O nosso hemisfério esquerdo está desenhado para pegar nessa colagem do momento presente. E começar a escolher detalhes e mais detalhes e mais detalhes acerca desses detalhes. E depois categoriza e organiza toda essa informação. Associa isso a tudo o que aprendemos no passado e projecta para o futuro todas as nossas possibilidades. E o nosso hemisfério esquerdo pensa em linguagem. É aquele burburinho permanente no cérebro que me liga a mim, e ao mundo interno, ao mundo externo. É essa pequena voz que me diz: "Olha, tens de te lembrar de comprar bananas a caminho de casa, e comê-las de manhã.". É essa inteligência calculadora que me lembra quando tenho de lavar a roupa. Mas, talvez o mais importante, é essa voz dentro de mim que diz: "Eu sou. Eu sou.". E é imediatamente quando o meu hemisfério esquerdo diz-me "Eu sou.", que me torno separado. Torno-me um individuo único e singular separado do fluxo de energia que circula à minha volta e separado de ti. E foi essa parte do cérebro que perdi na manhã do derrame.
Na manhã do derrame acordei com uma dor que martelava na parte de trás do meu olho esquerdo. E era aquele tipo de dor cáustica que te acontece quando trincas um gelado. E agarrou-me e de seguida soltou-me. E depois agarrou-me e voltou a soltar-me. E era muito pouco usual para mim experimentar qualquer tipo de dor, por isso pensei OK, vou apenas iniciar a minha rotina normal. Por isso levantei-me e saltei para cima do meu deslizador cardio, que é uma máquina de exercício físico completa. E estou a patinar naquela coisa e começo a perceber que as minhas mãos parecem umas garras primitivas agarradas à barra. E eu pensei "isto é muito peculiar" e olhei para baixo para o meu corpo e pensei "UAU, sou uma coisa com um aspecto muito estranho". E foi como se o pensamento da minha consciência tivesse se afastado da minha normal percepção da realidade, onde sou a pessoa na máquina a ter a experiência, e passasse a estar num qualquer espaço esotérico onde estou a testemunhar-me a mim própria a ter a experiência.
E era tudo muito estranho e a minha dor de cabeça estava só a piorar, e por isso decidir sair da máquina, e estou a andar através da minha sala quando percebo que tudo no meu corpo reduziu drasticamente de velocidade. E que cada passo é muito rígido e deliberado. Não há fluidez no meu espaço, e há constrangimentos na minha área de percepção e por isso estou apenas focada nos meus sistemas internos. E estou na casa de banho a preparar-me para entrar no duche e conseguia ouvir o diálogo dentro do meu corpo. Ouvia uma vozinha dizer: "Ok, músculos vocês têm de contrair, e vocês músculos têm de relaxar."
E perco o meu equilíbrio e estou apoiada de encontro à parede. E olho para o meu braço e percebo que não consigo mais definir os limites do meu corpo. Não consigo definir onde começa e onde acaba o meu corpo. Porque os átomos e as moléculas do meu braço estão fundidos com os átomos e moléculas da parede. E a única coisa que conseguia detectar era essa energia. Energia.
E pergunto-me a mim própria: "O que se passa de errado comigo, o que é que está a acontecer?" E nesse momento, no burburinho do meu cérebro, o burburinho do meu cérebro esquerdo calou-se completamente. Como se alguém tirasse um controlo remoto e carrega-se no botão Silêncio e — silêncio total.
E a princípio para mim foi chocante encontrar-me dentro de uma mente silenciosa. Mas foi imediatamente cativada pela magnificência da energia que me rodeava. E porque não conseguia mais identificar as limitações do meu corpo sentia-me enorme e expansiva. Senti-me una com toda a energia que existia, e era maravilhoso lá estar.
E subitamente o meu hemisfério esquerdo voltou a ficar em linha e diz-me: "Atenção! Temos um problema, temos um problema, precisamos de ajuda." E por isso eu penso, “OK, OK, tenho um problema”, mas então imediatamente deslizo para o estado fora da consciência, refiro-me afectuosamente a esse espaço como a Terra La La. Mas era maravilhoso lá estar. Imaginem o que seria estar completamente desligado do burburinho do vosso cérebro que vos liga ao mundo exterior. E então lá estou eu nesse espaço e qualquer stress relacionado com o meu, com o meu trabalho, tinha desaparecido. Sentia-me mais leve no meu corpo. E imaginem se todas as relações com o mundo exterior e todas as tensões relacionadas com elas tivessem desaparecido. Senti uma sensação de paz. E imaginem o que é perder trinta e sete anos de bagagem emocional! Sentia-me eufórica.
E a euforia era linda — e então o meu hemisfério esquerdo volta a ligar-se e diz: "Olha! tens de prestar atenção, temos de pedir ajuda." E eu penso: "Tenho de pedir ajuda, tenho de focar." Por isso saio do chuveiro e visto-me mecanicamente e começo a andar no meu apartamento e a pensar "Tenho de ir para o trabalho, tenho de ir para o trabalho, posso conduzir? posso conduzir?".
E nesse momento o meu braço direito fica totalmente paralisado do meu lado. E eu compreendo: "Oh meu deus! Estou a ter um derrame! Estou a ter um derrame!" E a próxima coisa que o meu cérebro diz é: "UAU! Isto é demais! Isto é demais. Quantos cientistas cerebrais têm a oportunidade de estudar o seu próprio cérebro de dentro para fora?" E então atravessa-me o pensamento: "Mas eu sou uma mulher ocupada. Não tenho tempo para um derrame". E digo-me: "OK, não posso impedir o derrame de acontecer, mas faço isto por uma semana ou duas e depois volto para a minha rotina, OK.".
Por isso tenho de pedir ajuda, tenho de telefonar para o emprego. Não me conseguia lembrar do número do trabalho, por isso lembrei-me que no meu escritório tinha um cartão com o número de telefone. Por isso vou para o escritório, tiro a minha pilha de 20 centímetros de cartões. E olho para o cartão no topo, e apesar de conseguir ver claramente com o olhar da minha mente o aspecto do cartão, não conseguia perceber se aquele era ou não o cartão, porque o que apenas conseguia ver eram os pixéis. E os pixéis das palavras fundiam-se com os pixéis do fundo e com os pixéis dos símbolos, e não os conseguia diferenciar. E tinha de esperar pelo que eu chamo uma onda de clareza. E nesse momento era capaz de me religar à realidade normal e podia pensar, “este não é o cartão”, “este não é o cartão”, “este não é o cartão”. Demorei 45 minutos para percorrer 5 centímetros da pilha.
E entretanto, durante os 45 minutos a minha hemorragia continua a expandir-se do lado esquerdo. Deixo de entender números, deixo de entender o telefone, mas é o único plano que tenho. Por isso pego no teclado do telefone e coloco-o à minha frente, e tiro o cartão, e coloco-o à minha frente, e tento fazer corresponder os rabiscos no cartão com as formas dos rabiscos no telefone. Mas entretanto ia parar à Terra La La, e quando voltava não me lembrava se já tinha carregado nesses números.
Por isso tive de manusear o meu braço paralisado com um peso, e cobrir os números conforme ia avançando e carregando, de forma a que, quando voltasse à realidade normal, poderia dizer: sim, já carreguei nesse número.
Eventualmente todos os números são pressionados, e estou a ouvir o telefone, e o meu colega atende o telefone e diz-me: "Au au au au au au." [risos] E penso para mim: "Oh meu deus, ele soa exactamente como um golden retriever!" E por isso digo-lhe, claramente na minha cabeça: "Sou a Jill! Preciso de ajuda!". E o que sai da minha voz é: "Au au au au au au au". E eu penso: "Oh meu deus, eu soo exactamente como um golden retreiver". Por isso não podia saber, não sabia que não podia falar ou entender a linguagem até eu tentar.
E então ele reconheceu que eu precisava de ajuda, e arranja-me ajuda. E um pouco mais tarde estou na ambulância a ir para um hospital, através de Boston, para o Mass General Hospital. E enrolo-me numa posição fetal. E como um balão cujo último ar acabou de sair, de sair do balão, sinto a minha energia a ser elevada e o meu espírito a se render. E nesse momento eu soube que já não era o coreógrafo da minha vida. E que ou os médicos me salvavam o corpo e me davam uma segunda oportunidade para viver ou este seria o meu momento de transição.
Quando acordei mais tarde nessa tarde fiquei surpresa de ainda estar viva. Quando senti o meu espírito se render eu disse adeus à vida e a minha mente estava agora suspensa entre dois planos opostos da realidade. Estímulos que chegavam através do meu sistema sensorial eram dor pura. A luz queimava-me o cérebro como fogo e os sons eram tão altos e caóticos que não conseguia distinguir as vozes dos barulhos de fundo e só queria fugir. Porque não conseguia identificar a minha posição no espaço sentia-me enorme e extensa, como um génio liberto da sua lâmpada. E o meu espírito navegava livre como uma gigante baleia nos mares da euforia silenciosa. Harmónica. Lembro-me de pensar que não havia forma de alguma vez conseguir enfiar aquele eu enorme dentro do meu pequeno corpo.
Mas percebi: "Ainda estou viva! Ainda estou viva e encontrei Nirvana. E se encontrei Nirvana e ainda estou viva, então toda a gente que está viva pode encontrar Nirvana." E visualizei um mundo cheio de beleza, paz, compaixão, e pessoas amorosas que sabem que podem vir a este espaço sempre que queiram. E que podiam com propósito escolher ir para o hemisfério direito ou esquerdo e encontrar este lugar. E percebi que tremendo presente esta experiência podia ser, que toque de génio isto podia ser para nos permitir viver a nossa vida. E isso motivou a minha recuperação.
E duas semanas e meia depois da hemorragia os cirurgiões entraram e removeram o coágulo do tamanho de uma bola de golfe que estava a pressionar o meu centro de linguagem. Aqui estou com a minha mãe, que é um verdadeiro anjo na minha vida. Levei oito anos a recuperar-me completamente.
Então quem somos nós? Somos a força viva do universo, com destreza manual e duas mentes cognitivas. E temos o poder de escolher, momento a momento, quem e como queremos estar no mundo.
Aqui e agora, posso mover-me para a consciência do meu hemisfério direito onde somos – onde sou – a força viva do universo, e a força poderosa de 50 triliões de maravilhosos génios moleculares que fazem a minha forma. Uno com tudo o que é.
Ou posso escolher mover-me para a consciência do meu hemisfério esquerdo. Onde me torno um indivíduo individual, sólido, separado do fluxo, separado de ti. E sou a Dra. Jill Bolte Taylor, intelectual, neuroanatomista.
Esses são os “nós” dentro de mim.
Quem escolhes ser? Quem escolhes ser? E quando?
Eu acredito que quanto mais tempo usarmos a escolher navegar profundamente na paz profunda dos circuitos do nosso hemisfério direito, mais paz projectamos para o mundo e mais pacífico será o nosso mundo. E pensei que esta era uma ideia digna de ser partilhada."
Jill Bolte Taylor
Tradução do discurso por Bernardo Ramirez: (http://www.bernardoramirez.com/constelacoes/derrame-de-consciencia)
3 comentários:
Isso é apenas o começo. Jill Bolte Taylor teve uma experiência semelhante àquela que algumas pessoas têm ao ler o livro “O Poder do Agora”.
Obrigado pelo respeito em me citar no seu site. Realmente é um documento extraordinário.
Olá Bernardo!
Claro que o cito, agradecendo profundamente pelo seu trabalho! Testemunhos assim merecem ser divulgados, aliás, o mundo merece que testemunhos assim sejam divulgados!!
Obrigada pela observação :)
Um abraço
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